terça-feira, 16 de setembro de 2014

A FALÁCIA DE QUE NÃO VOTAR FAVORECE A DIREITA

Campanha contra farsa eleitoral em São Paulo. FIP-SP

Por Igor Mendes
Com o recrudescimento da disputa eleitoral os ânimos mais exaltados se põem a gritar até quase ficar roucos: não votar, abster-se, ou anular o voto, serve à direita. Essas vozes, entretanto, não podem responder satisfatoriamente à pergunta sobre o que exatamente entendem por “esquerda”.
Sim, porque se por “esquerda” entendem uma soma de crédito, Bolsa Família e agronegócio –tudo misturado e temperado com uma boa, mas muito boa mesmo dose de (contra) propaganda –devemos responder-lhes que essa “esquerda” é igualzinha à direita que tanto ataca.
Tal argumento, ademais, não possui sequer o mérito da originalidade. Porque não é de hoje que o fantasma da direita é usado para mascarar o direitismo de quem o acusa. Tomemos junho. Tomemos a Copa. Segundo esse curioso raciocínio, a “esquerda” estava no alto dos palácios governamentais, protegida por nossa “republicaníssima” polícia; e a “direita” estava nas ruas cercando aqueles palácios, tomando paulada desta polícia.
Estranho!
Tomemos agora as eleições. As três principais candidaturas (Dilma, Marina e Aécio) somam, juntas, um orçamento de quase 1 bilhão de reais –no caixa 1, declarado à Justiça Eleitoral. Nem Dilma nem Marina, que pretendem se apresentar “pela esquerda”, tocam nem por alusão a questões pendentes há séculos como a absurda concentração de terras no Brasil (que se reforçou sob a década petista), o confisco das dívidas interna e externa ou o fim do arrocho salarial continuado sobre os trabalhadores. Sobre o direito ao aborto, cruzes!, dá mais voto inaugurar templos e dizer que “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”... Citamos propositalmente algumas medidas que nada têm de socialistas, nem de anticapitalistas, mas possuem simplesmente caráter democrático, progressista. Mas nem mesmo estas questões básicas estão colocadas por quaisquer dessas candidaturas, nem poderiam estar –exatamente porque essas candidaturas são, todas elas, de direita, independente de como se pintem a si mesmas.
Quanto às candidaturas dos demais partidos “socialistas” e “comunistas”, que dizem representar o voto dos protestos, devemos responder-lhes simplesmente: não os representam. Basta olhar as estatísticas. Nas primeiras eleições posteriores às jornadas de junho esses partidos têm as mesmas intenções de voto, ou mesmo menos, que nos pleitos anteriores. Porque passaram ao largo dos protestos contra o aumento das passagens, os quais sempre ignoraram por serem “pequenos”, com ar de aristocrática superioridade; porque estavam por demais preocupados com as próximas eleições do DCE, ou do sindicato, entidades nas quais reproduzem as mesmas práticas de aparelhamento que dizem combater em âmbito nacional. De modo que quando apareceram com suas bandeiras e carros-de-som, lá pela segunda ou terceira semana de protestos, já era tarde. Foi uma relação recíproca. Esses partidos passaram ao largo das manifestações de junho, que por sua vez passaram ao largo desses partidos. E passaram muito bem, obrigado.
Não votar, por si só, não vai mudar o país. O boicote, entretanto, passa um recado claro de rechaço ao Estado brasileiro. Não votar é ser coerente com as sucessivas revoltas populares que têm sacudido o Brasil, e produzirão novas ondas nos próximos meses e anos. Não votar é se recusar a cair no conto do “menos pior”, do qual a falácia de que a abstenção serve à direita é apenas uma derivação mais intelectualizada e um pouquinho menos cínica. Não votar é rechaçar o roubo, a repressão e o descalabro contra os trabalhadores praticado por todas as siglas em todas as esferas de governo. Não votar é não legitimar a “democracia” onde os torturadores estão impunes e os presídios superlotados –de pobres.
Se eleições mudassem alguma coisa, os eleitores seriam cercados pela Tropa de Choque e detidos para averiguação quando estivessem a caminho da zona eleitoral. Como tem acontecido quando os autênticos direitos populares estão em jogo.

*texto originalmente publicado no site Tribuna da Imprensa online
http://tribunadaimprensaonline.blogspot.com.br/2014/09/a-falacia-de-que-nao-votar-favorece.html

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Fascismo, oportunismo e farsa eleitoral

“Proletários de todos os países e povos do mundo, uni-vos!”
 
Frente Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo - FRDDP
Núcleo Recife - Pernambuco


Fascismo, oportunismo e farsa eleitoral

Em março deste ano, um jovem que se identifica por militante do PCBrasileiro, estudante de história da UFPE, publicou em seu blog pessoal o texto “O ‘social-fascismo’ e a ‘farsa eleitoral’: convergências e aproximações” com o qual critica o Movimento Estudantil Popular Revolucionário e o chamado “terceiro período” da Internacional Comunista. Visto que o debate sobre o fascismo, a ruptura ou não com as correntes oportunistas e o boicote à farsa eleitoral estão na ordem do dia, aproveitamos da explanação revisionista destes temas para, a partir de sua crítica, sustentar a defesa das concepções revolucionárias do marxismo. O jovem militante do PCBrasileiro diz basear sua argumentação na teoria de Marx, Engels e Lenin, mas na verdade deturpa estas concepções para defender as proposições oportunistas da direção de seu partido, a saber: a posição centrista e conciliadora com o governo Dilma (PT/Pêcêdobê) e a defesa de uma estratégia eleitoreira como caminho da revolução socialista no Brasil. Partindo dos próprios clássicos da ideologia científica do proletariado, e não de confusas e ecléticas interpretações das mesmas, fundamentaremos nossas críticas.

Imperialismo e a cisão do socialismo

O estudante de história inicia seu texto com duras críticas à III Internacional (IC ou Cominter), afirmando que: “o chamado ‘terceiro período da Internacional Comunista (IC) foi um período de amplo esquerdismo teórico e prático que contribuiu para derrotas vergonhosas e acachapantes para o movimento comunista internacional. Uma das principais características do famoso ‘terceiro período’ da IC era a formulação do ‘social-fascismo’.” O denominado “terceiro período” da Internacional Comunista corresponde ao VI e VII Congresso da mesma (1928 e 1935, respectivamente). Antes de mais nada, somos obrigados a rebater o tom arrogante e carente de fundamentos expresso no termo “derrotas vergonhosas”. Que derrotas vergonhosas foram estas? Este foi um período de muita luta, muita resistência e enfrentamentos dos comunistas em todo o mundo, com a criação de partidos comunistas na maioria dos países de todos os continentes. Foi o período do avanço da construção socialista na URSS, da coletivização da terra, da preparação das condições sobre as quais se derrotou o nazi-fascimo na Segunda Guerra Mundial.
 
O termo social-fascista foi utilizado pelo Partido Comunista da Alemanha, naquela época, para caracterizar os setores oportunistas do movimento operário alemão, a socialdemocracia como então eram conhecidos. A terminologia correspondia a avaliação de que a prática da socialdemocracia alemã se assemelhava a dos fascistas e, portanto, ambos deveriam ser combatidos com a mesma energia. O nosso estudante de história se levanta em defesa do oportunismo socialdemocrata alemão dizendo: “a socialdemocracia alemã foi, inclusive, mais combatida pelos comunistas alemães que o nazismo até 1934-5”. Esta afirmação é falsa, mas a contestaremos um pouco mais adiante. Antes é preciso fazer uma rápida retrospectiva da luta de linhas no movimento comunista internacional nas primeiras décadas do século XX.

A II Internacional fora fundada por Engels em 1889, ela cumpriu um papel fundamental na formação de Partidos marxistas em toda a Europa. Com a morte de Engels, em 1895, Karl Kautsky tornou-se a principal liderança da II Internacional. Dirigente do Partido Operário Social-Democrata Alemão e reconhecidamente o mais destacado marxista depois de Marx e Engels, viu recair em suas mãos a grave responsabilidade da edição e publicação do Livro 4 de O Capital, de acordo com os manuscritos dos dois mestres e prosseguir o combate ao revisionismo de Bernstein. Os anos iniciais da II Internacional corresponderam ao que o grande Lenin denominou por “período ‘mais ou menos pacífico’ do desenvolvimento do capitalismo”. Tal situação muito contribuiu para que os partidos socialdemocratas vissem no movimento sindical e no parlamento o centro de sua atuação revolucionária. Este também é o período em que o capitalismo transita para um novo estágio de seu desenvolvimento, o do capital monopolista, o imperialismo, que foi assim definido por Lenin:

“O imperialismo é um estágio histórico particular do capitalismo. Esta particularidade é tripla: o imperialismo é 1) capitalismo monopolista; 2) capitalismo parasitário ou em decomposição; 3) capitalismo moribundo (agonizante).” (V.I. Lenin, O imperialismo e a cisão do socialismo)

Com o advento do imperialismo, encerra-se o período “mais ou menos pacífico” do desenvolvimento do capitalismo; surgem os conflitos regionais entre as potências imperialistas, tal como a guerra russo-japonesa; destampa a revolução Russa de 1905 (temporariamente derrotada); e, em 1914, eclode a Primeira Guerra Mundial. A Guerra Mundial marcará uma profunda e necessária divisão no movimento comunista. A maioria dos partidos da II Internacional passaram a apoiar a burguesia de seus respectivos países no conflito entre as potências pela partilha do mundo, votando no parlamento a favor dos créditos de guerra e consequentemente quebrando a unidade internacional da classe operária. Lenin caracterizou muito precisamente a Primeira Guerra como uma guerra entre potências imperialistas por uma nova partilha do mundo, dos mercados e das colônias. Defendeu que os operários não deveriam morrer nas trincheiras lutando pelos interesses da burguesia de seu país, mas que ao contrário, a única tática revolucionária da socialdemocracia era a de “transformar a guerra imperialista em guerra civil revolucionária”.

Lenin caracterizou os partidos que se aliavam às burguesias de seus países como “social-chauvinistas”, socialistas em palavra e patrióticos fanáticos na prática. Com a passagem do capitalismo à seu estágio monopolista imperialista, muitos marxistas capitulam da luta de classes, inclusive o destacado Kautsky, que do combate ao revisionismo de Bernstein passa ao campo do social oportunismo. Com a guerra imperialista, ele defende a aprovação dos créditos de guerra no parlamento alemão e uma posição “centrista” ao propor a unidade, no mesmo partido e na mesma internacional, com os “social-chauvinistas”. Foi acusado por Lenin de passar de social-oportunista a social-chauvinista, que assim disse:

“Foi no seio da socialdemocracia alemã que se delineou com maior evidência a cisão no socialismo contemporâneo. Vemos aqui com toda clareza 3 correntes: os oportunistas-chauvinistas, que em parte nenhuma como na Alemanha atingiram um tal grau de decadência e de renegação; o ‘centro’ kautskista, que se mostrou aqui completamente impotente para desempenhar qualquer outro papel além do de servidor dos oportunistas; e a esquerda, que representa os únicos sociais-democratas da Alemanha.” (V.I. Lenin, O socialismo e a guerra”)

São os partidários do social-chauvinismo na Alemanha (Ebert, Scheidmann, Noske e cia), que mais tarde serão acusados de “social-fascistas” pelo Partido Comunista e pela IC. Mas voltemos ao retrospecto da luta de duas linhas no movimento comunista internacional. Diante desta situação, qual foi a proposição de Lenin? Combatendo as posições conciliadoras de Kautsky, internacionalmente, e de Trotsky, na Rússia, Lenin defenderá a cisão com o oportunismo e o combate inconciliável aos seus defensores. E mais, em decorrência de sua análise do imperialismo defenderá que nesta etapa do capitalismo, dos monopólios e do lucro-máximo, a cisão no seio do socialismo era inevitável e definitiva. Segundo Lenin, os superlucros obtidos pelo imperialismo na espoliação das nações atrasadas permitiam a burguesia das potências imperialistas corromper uma camada do proletariado, a “aristocracia operária”. Esta camada aburguesada, conformada pelos chefes e subchefes e a burocracia sindical, é a base objetiva do oportunismo.

“Existe uma ligação entre o imperialismo e a vitória monstruosa e abominável que o oportunismo (na forma de social-chauvinismo) alcançou sobre o movimento operário na Europa? É esta a questão fundamental do socialismo contemporâneo. (...)

Sobre a base econômica apontada [imperialismo, monopólios e lucro-máximo] as instituições políticas do capitalismo moderno – a imprensa, o parlamento, as associações, os congressos, etc. – criaram para os empregados e operários respeitadores, mansos, reformistas e patrióticos os privilégios e esmolas políticas correspondentes aos privilégios e esmolas econômicas. Lugarzinhos rendosos e tranquilos num ministério ou num comitê industrial de guerra, no parlamento ou em diversas comissões das redações de jornais legais ‘sérios’ ou nas direções de sindicatos operários não menos sérios e ‘burguesmente obedientes’ – é com isto que a burguesia imperialista atrai e recompensa os representantes e partidários dos ‘partidos operários burgueses’.” (V. I. Lenin, O imperialismo e a cisão do socialismo).

Como é bom ouvir Lenin falando por sua própria voz e não através de reproduções revisionistas. Ouçamos um pouco mais as opiniões do líder bolchevique acerca da luta contra o oportunismo, contra o social-chauvinismo, contra os mesmos que o nosso estudante de história insiste em defender e justificar “alianças táticas”:

“O fato é que os ‘partidos operários burgueses’, como fenômeno político, se formaram já em todos os países capitalistas avançados, que sem uma luta decidida e implacável em toda a linha contra estes partidos – ou grupos, correntes, etc., tanto faz – nem sequer se pode falar de luta contra o imperialismo ou de marxismo ou de movimento operário socialista. (...)
Explicar às massas a inevitabilidade e a necessidade da cisão com o oportunismo, educá-las para uma luta revolucionária implacável contra ele, ter em conta a experiência da guerra para revelar todas as infâmias da política operária nacional-liberal, e não para as ocultar – tal é a única linha marxista no movimento operário do mundo.” (V. I. Lenin, O imperialismo e a cisão do socialismo).

Caso fizéssemos a última citação sem dizer o nome do autor, provavelmente seríamos acusados de sectários pelo jovem militante do PCBrasileiro. Mas isto não é sectarismo, meu caro, isto é leninismo.

Como fora previsto por Lenin, o centrismo de Kautsky se uniu definitivamente ao social-chauvinismo, a II Internacional veio à bancarrota e, em 1919, foi fundada a III Internacional, a Internacional Comunista. De maneira a demarcar campo entre as linhas opostas no movimento proletário, a corrente de Lenin, desde às vésperas da Revolução Socialista de Outubro de 1917, passa a se assumir como comunista, o Partido Operário Social-Democrata Russo (bolchevique) passa a se chamar Partido Comunista da Rússia (bolchevique). Todos os partidários da II Internacional (chauvinistas e centristas) passam a ser denominados como socialdemocratas, termo que se torna o sinônimo de revisionismo, para os oportunistas que teimavam em falar em nome do marxismo, e de oportunismo e reformismo, para os declaradamente renegados do marxismo.

A socialdemocracia, internacional e na Rússia, se levanta contra a Revolução Socialista de 1917. Na Alemanha, os sociais-democratas assumem a maioria no governo no final da Primeira Guerra. Será esta mesma socialdemocracia, cuja aliança é tão cara ao nosso historiador, que reprimirá a ferro e fogo a revolução socialista na Alemanha em 1919. Será a socialdemocracia alemã a opção da burguesia para administrar a crise após a renúncia do imperador, em fevereiro daquele ano. O presidente do partido socialdemocrata, Ebert, é escolhido primeiro-ministro da chamada República de Weimar. Os corifeus da socialdemocracia alemã, caracterizada pela IC como social-fascistas, foram os que mandaram assassinar a dirigente comunista internacionalista Rosa Luxemburgo, que teve o corpo jogado na sarjeta. Foram os mesmos que mandaram assassinar o líder comunista e internacionalista Karl Liebknecht. Não por acaso, Lenin chega a falar em luta armada contra o oportunismo, o que certamente deve ser considerado “delirante esquerdismo” por nosso historiador revisionista.

“A cisão internacional de todo o movimento operário mostra-se agora com inteira nitidez (II e III Internacionais). A luta armada e a guerra civil entre as duas tendências é também um fato evidente: na Rússia, apoio a Koltchak e Deníkin pelos mencheviques e pelos ‘socialistas-revolucionários’ contra os bolcheviques; na Alemanha, os partidários de Scheidmann, Noske e Cª ao lado da burguesia contra os spartakistas; e o mesmo na Finlândia, na Polônia, na Hungria, etc.” (V.I. Lenin – Prefácio às edições francesa e alemã da obra O Imperialismo, fase superior do capitalismo)

Por fim a refutação à mentira de que “os comunistas na Alemanha combateram mais a socialdemocracia do que o nazismo”. A verdade é exatamente o oposto, a socialdemocracia, esta sim, combateu muito mais os comunistas do que os nazistas. Ou melhor, compactuaram muitas vezes com os nazistas e contribuíram, assim, para a ascensão de Hitler. Vejamos dois exemplos: em 1923, o governo socialdemocrata, enfrenta uma grave crise econômica e social, greves operárias, levantamentos dirigidos pelos comunistas e outros pela extrema-direita. A saída socialdemocrata foi aplicar o artigo 48 da constituição, decretando estado de sítio e transferindo o poder para o ministro do Exército. Este golpe, foi fundamental para aumentar a perseguição aos comunistas e facilitou os planos de Hitler. Um exemplo menor, mas significativo, aconteceu no dia 17 de abril de 1934, quando um confronto de rua estourou entre comunistas e nazistas na cidade de Hamburgo, o prefeito era o socialdemocrata Eggerstadt, este enviou a polícia em socorro dos fascistas e prendeu 17 revolucionários.

Ao defendermos a posição dos comunistas da Alemanha e da Internacional Comunista nos anos de 1920/30, não estamos dizendo que os mesmos não incorreram em erro algum neste período. O movimento revolucionário foi temporariamente derrotado pelo nazismo na Alemanha. Houve uma derrota, mas de forma alguma “vergonhosa”. Vergonhoso teria sido a traição, a capitulação diante das dificuldades. Os comunistas alemães, ao contrário, demonstraram muito heroísmo, destemor e internacionalismo. O principal erro do Partido, naquele período, foi a subestimação da influência do nazismo na classe operária e no campesinato. Ao avaliar que os nazistas não ganhariam apoio do povo, os comunistas descuidaram da denúncia entre as massas da farsa do discurso “nacional-socialista” de Hitler. Isto contribuiu para que os nazistas, com um programa semelhante ao dos social-chauvinistas, ganhassem importantes setores do povo para o discurso do fim da luta de classes e de unidade nacional para o desenvolvimento da Alemanha. Estes erros foram identificados e corrigidos pela Internacional Comunista, em seu VII Congresso (1935), que lançou a política de Frente Única contra o fascismo.

No próprio Partido Comunista da Alemanha, antes deste congresso da IC, uma importante luta de duas linhas foi travada. A linha que predominou foi a defendida pelo dirigente Ernest Tälmann, em contraposição a ela levantou-se Artur Evert defendendo uma posição mais acertada para o combate do nazismo. O camarada Evert tem particular importância na história do Partido Comunista do Brasil, importância ainda não devidamente reconhecida. Este internacionalista convicto, ademais de toda sua atividade no Partido Comunista da Alemanha e após ter atuado no USA e na China, foi destacado pela Internacional para apoiar a direção do PCB-Partido Comunista do Brasil na organização do Levante Popular de 35. Foi preso, brutalmente torturado, juntamente com sua companheira, a camarada Elise Saborovski. Evert não forneceu nenhuma informação aos seus algozes, sequer admitiu que estava no país atuando politicamente, foi tão seviciado que enlouqueceu nas masmorras de Getúlio Vargas. Saborovski foi deportada para a Alemanha nazista, juntamente com Olga Benário, ambas foram assassinadas nos campos de concentração. A defesa jurídica de Artur Evert é conhecida na história do direito brasileiro, pois seu defensor conseguiu barrar as torturas infligidas contra ele baseado na legislação de proteção dos animais, já que não existiam leis no Brasil da época que garantisse qualquer tratamento humanitário a opositores do regime. Na Alemanha, Tälmann foi preso, brutalmente torturado pelos nazistas até o final da guerra e friamente assassinado. Ainda hoje seu nome aparece nas manifestações revolucionárias e anti-fascistas na Europa, como símbolo da luta antinazista.

Todas estas histórias de heroísmo e resistência não podem ser apagadas ou denegridas por acusações superficiais, arrogantes e infundadas, seja por provocadores, aventureiros ou desinformados; muito menos ainda quando estes pretendem se utilizar dos nomes de Marx, Engels e Lenin para dar-lhes cobertura de verdades. O nosso historiador tem todo o direito de fazer suas críticas à Internacional Comunista e ao Partido Comunista da Alemanha, mas que não faça isto dizendo defender as posições de Lenin. Se quer fazer citações coerentes com sua posição política deveria buscar em Kautsky ou Trotsky a sua fonte, ali encontraria muitos argumentos para fundamentar suas opiniões, o primeiro por ter renegado do marxismo e o segundo cujos seguidores dentro e fora da URSS colaboraram intensamente com os nazistas, antes e durante a Grande Guerra Pátria. Sustentar suas posições em Lenin é impossível, tanto que em seu texto não consegue se referir a sequer uma passagem das obras do líder da revolução russa.

A posição do PCBrasileiro, em relação ao oportunismo, realmente é muito semelhante com o “centrismo” de Kautsky. Fazem críticas pontuais ao PT e ao PCdoB, mas no fundo procuram preservar a boa convivência com estes representantes, no Brasil, do “partido operário burguês”. No segundo turno das eleições de 2012, por exemplo, lançaram a seguinte palavra de ordem: “derrotar Serra nas urnas e Dilma nas ruas”. Que maravilha de dialética! Posição centrista e conciliadora com o oportunismo petista; posição vacilante fundamentada no falso argumento de votar no “menos pior”. Na verdade, manifestando o cacoete do velho cacarejo direitista das direções oportunistas, que na história do movimento comunista no Brasil, jogaram sempre para por a classe operária e as massas populares à reboque da grande burguesia, a quem falsamente denominavam de burguesia nacional, ou de seus governos, supostamente divididos em parte progressista e parte reacionária, brandindo o também surrado conto do perigo de “golpe da direita”. Posição oportunista agravada por um “apoio crítico”, ou melhor, envergonhado a um aliado estratégico sobre o qual depositam esperanças de uma “virada à esquerda”.

Mas o PCBrasileiro com a magra votação de seu candidato no primeiro turno, apenas 20 mil votos em todo Brasil, contribuiu muito pouco para a derrota de Serra nas urnas. Por outro lado, contribuiu muito menos com a derrota de Dilma nas ruas. Mas não é o número de votos que faria valer tal dialética na luta de classes, pois quanto mais se empenha um partido num processo eleitoral farsante, mais estaria servindo a legitimar como república democrática, esse flagrante arremedo de Estado Democrático de Direito vigente no país. Durante as manifestações de junho de 2013, embarcaram no discurso petista que dizia que os protestos seriam uma manobra da direita. Nas manifestações que se seguiram, nos embates de rua da juventude combatente apareceram muito menos.

Na conclusão de seu texto, o militante do PCBrasileiro afirma: “Daí pra dizer que socialdemocracia e fascismo são a mesma coisa é um pulo.” Não teremos tempo aqui para analisar, teórica e historicamente, o caráter fascista do governo Dilma. Apenas citaremos a lei anti-terrorista, criticada em nota pelo próprio PCBrasileiro, a violenta repressão às manifestações e as ameaças de lançar mão do Exército Brasileiro para reprimir os protestos, ademais de todo o cinismo em afirmar que “estes manifestantes são fascistas”, referindo-se claro, à juventude combatente. Para se concluir que a socialdemocracia brasileira tem um caráter fascista não é preciso nenhum “salto”, senhor historiador, basta “dar um pulo” nos protestos contra a Copa, nas greves operárias, especialmente nas das obras do PAC ou na luta dos camponeses pela terra e ver de perto a repressão violenta das Polícias Militares com todo apoio e suporte de sua guarda pretoriana da Força Nacional de Segurança, criada por Lula, e da Polícia Federal, ou da intervenção direta das mesmas com o suporte das Forças Armadas.

Isto o dizemos certos de que pensamentos tais como expressa nosso historiador, reduz a noção de fascismo apenas à prática intolerante, repressiva e sanguinária, o que só é uma parte de suas monstruosidades. Até mais que a repressão, o fascismo se caracteriza por ideologia eclética e manejo da política através da mentira, da prestidigitação e do maniqueísmo, da corporativização das massas e sua manipulação via alienação e idiotização seja no ufanismo reverenciado a um salvador da pátria ou ao ufanismo chauvinista de grande potência. Nada disto tem a ver com o gerenciamento de turno de Lula/Dilma/PT-Pecedobê, ou seria mera coincidência? Então o que é a propapaganda sistemática de um “Brasil país de todos”, criação de uma nova e suposta “classe média”, campanhas de empreendedorismo e os programas assistencialistas dirigidos às massas empobrecidas, cadastradas, fiscalizadas e chantaeadas do Bolsa Família? Que dizer do sindicalismo cooptado por verbas polpudas e altos cargos na burocracia? E por fim, tudo isto a serviço de que e para quem, senão da perpetuação da exploração e opressão para as classes exploradoras retrógradas do país, os latifundiários e a grande burguesia, ademais do imperialismo, particularmente o capital financeiro?
O boicote a farsa eleitoral e a concepção marxista de Estado.

Uma das questões centrais na cisão dos marxistas-leninistas com a socialdemocracia da II Internacional foram as posições opostas acerca da democracia burguesa e da ditadura do proletariado. Os oportunistas (social-chauvinistas e centristas) reuniram-se na Conferência de Berna, realizada em fevereiro de 1919, com o objetivo de restaurar a esgotada II Internacional. Esta conferência, essencialmente, serviu para atacar a ditadura do proletariado e encobrir a intervenção armada de 14 potências imperialistas à Rússia Socialista. Um mês depois, realizou-se o I Congresso da III Internacional, aonde Lenin combateu fortemente as teses da socialdemocracia e a concepção burguesa do Estado, defendendo assim a ditadura do proletariado.

Consequentemente, não é coincidência que o jovem militante do PCBrasileiro ao mesmo tempo em que procura resgatar à derrotada socialdemocracia, está pela exumação das suas velhas teses sobre o Estado e contra a ditadura do proletariado. Em seu texto afirma: “A teoria do ‘social-fascismo’ – que partindo da proclama que todo ‘estado é uma ditadura de classe’ não considera as diferenças concretas entre fascismo e socialdemocracia, considerando, inclusive, a socialdemocracia como até um mal maior que o fascismo”. Já descrevemos como os comunistas foram os que mais combateram o fascismo, e o fizeram de forma inseparável do combate ao oportunismo e ao revisionismo da socialdemocracia. Agora analisemos a crítica à “proclama” de que todo “Estado é uma ditadura de classe”. Esta proclamação que tanto incomoda nosso historiador nada mais é que uma tese básica e central da teoria marxista sobre o Estado. Todo Estado é uma ditadura de classe, inclusive o Estado socialista, que é a ditadura do proletariado contra a burguesia derrotada. Exatamente cumpre a ditadura do proletariado a missão histórica de abolir as classes e não o Estado, pois que por ser produto da existência de classes antagônicas e instrumento da classe dominante para exercer a opressão e assegurar seu sistema social, o Estado não pode ser abolido e sim extinguir-se. O comunismo só será o comunismo científico quando a extinção completa das classes e de todas as suas derivações estiverem realizadas e só então o Estado se extinguirá e o fará no longo processo de transição, onde por falta de bases materiais irá perdendo uma a uma suas funções. Como veremos nas citações a seguir, o que incomoda o jovem historiador, advogado do velho oportunismo da II Internacional, não são as posições da Internacional Comunista, mas a própria concepção de Marx, Engels e Lenin sobre o Estado.
Karl Marx, em 05 de março de 1852, numa carta, bastante conhecida, a Joseph Weydemeyer, assim se referiu sobre seu próprio pensamento:

“No que me concerne, eu não tenho o mérito de ter descoberto a existência das classes na sociedade contemporânea, nem o de ter descoberto a luta dessas classes entre si. Os historiadores burgueses expuseram, muito antes de mim, o desenvolvimento histórico dessa luta de classes, e os economistas burgueses a anatomia econômica das classes. O que eu fiz de novo consiste na demonstração seguinte: 1º) que a existência das classes só se prende a certas batalhas históricas relacionadas com o desenvolvimento da produção; 2º) que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3º) que essa própria ditadura é apenas a transição para a supressão de todas as classes e para a formação de uma sociedade sem classes”.

Esta explanação de Marx clarifica sua tríplice contribuição, onde destaca que a luta de classes é uma luta histórica e política, isto é, que corresponde ao desenvolvimento histórico das forças produtivas e essencialmente é uma luta antagônica pelo Poder estatal que conduz, e isto é fundamental, à ditadura do proletariado como transição a sociedade sem classes (e sem Estado).

Lenin, comentando esta síntese de Marx, diz: “O fundo da doutrina de Marx sobre o Estado só foi assimilado pelos que compreenderam que a ditadura de uma classe é necessária, não só a toda sociedade dividida em classes, em geral, não só ao proletariado vitorioso sobre a burguesia, mas ainda em todo o período histórico que separa o capitalismo da ‘sociedade sem classes’, do comunismo”. (V.I. Lenin – O Estado e a Revolução). Ou seja, segundo Lenin, “o fundo da doutrina de Marx sobre o Estado” é que a ditadura de classe é uma necessidade histórica: em “toda sociedade de classes”, para o “proletariado vitorioso sobre a burguesia” e “ainda em todo o período histórico que separa o capitalismo da ‘sociedade sem classes’, do comunismo”. Assim fica claro, que a teoria de que “todo Estado é uma ditadura de classe”, não é uma invenção do “terceiro período” da IC, mas de Marx, Engels e Lenin.

Esta tese foi fundamentada por Marx e Engels a partir do desenvolvimento do materialismo histórico e dialético. Frederich Engels defende: “O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, ‘a realidade da Ideia moral’, ‘a imagem e a realidade da Razão’ como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado”. (F. Engels – A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado).

Vejamos a diferença entre esta citação e a afirmação do estudante do PCBrasileiro que diz: “A IC, influenciada por uma ‘versão’ positivista do marxismo, argumentava que todo estado é uma ditadura de classe e, na sociedade capitalista, todo estado é uma ditadura da burguesia, logo; não fazia diferença se tivéssemos um governo fascista ou socialdemocrata”. O sublinhado foi colocado por nós para destacar uma passagem “surpreendente” do texto. Ora, afirmar que “todo estado é uma ditadura de classe” e que “na sociedade capitalista, todo estado é uma ditadura da burguesia” seria uma “versão positivista” do marxismo? 
Vejamos o que diz Lenin em sua obra o Estado e a Revolução:
“Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classes, no próprio conflito dessas classes, resulta, em princípio, que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, se torna a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada.”

A afirmação acima, caro historiador, não é positivismo, é marxismo. Você é quem parte de uma visão pós-moderna e revisionista do Estado burguês como uma “abstração”, uma “ontologia”. Protegido por seu reformismo não conhece a realidade “ôntica”, concreta, das baionetas e da opressão de classe. Numa sociedade capitalista, onde a burguesia é a classe economicamente dominante, a partir do Poder do Estado torna-se também a classe politicamente dominante.

O estudante do PCBrasileiro, em seu texto, assim prossegue o arrazoado revisionista: “O sistema político existente em uma formação social concreta não é, necessariamente, funcional à ordem do capital. (...) O fato de se afirmar que o ‘Estado é burguês’, não diz nada, por exemplo, sobre a forma do sistema de governo existente: se existe possibilidades institucionais de participação das massas populares como forma de barrar alguns ataques do capital ou até usar a institucionalidade como forma de iniciar uma ofensiva contra o capital; qual o nível de ‘liberdades democráticas’ existentes, como são usados os aparelhos coercitivos, etc.” Para completar ele argumenta: “Mas se compararmos o Brasil com o Chile ou a Coréia do Sul veremos que o sistema político do Brasil é bem mais ‘democrático’ que o desses países e que a tática dos comunistas, lhe dando com estruturas de poder ‘diferentes’, só podem ser diferente, adequada às condições concretas”. (Os sublinhados são nossos) Antes de falar das “táticas”, escutemos o que diz o marxismo sobre a contradição entre sistema de Estado e sistema de governo.

Numa palestra de Lenin, na Universidade Sverdlov em 1919, o grande marxista disse: “Todo Estado em que existe a propriedade privada da terra e dos meios de produção, em que domina o capital, por mais democrático que for, um Estado capitalista será sempre uma máquina nas mãos dos capitalistas para a sujeição da classe operária e dos camponeses pobres”, e assim conclui: “E o sufrágio universal, a Assembleia Constituinte ou o Parlamento são meramente formas, espécies de obrigação de pagamento que não mudam a essência do assunto”. (V.I. Lenin – O Estado) – (sublinhado nosso)

Vemos que Lenin fez uma clara distinção entre dois aspectos que conformam a realidade da dominação da burguesia sobre as classes exploradas. Por uma parte, a essência da questão é que o Estado é uma ditadura da burguesia que corresponde com a estrutura econômica capitalista, mas também, que esta ditadura toma variadas formas que podem se resumir em duas fundamentais: o fascismo aberto e o sistema demo-liberal, que não mudam a essência da dominação. Em síntese, o sistema de Estado, é o principal e essencial; o sistema de governo serve e dá forma ao primeiro. Identificar a diferença entre as formas de governo do regime militar fascista e do regime civil, que se seguiu no Brasil, não é uma tarefa difícil, pois estas são evidentes. O desafio para a ideologia científica do proletariado é identificar e revelar às massas a identidade do conteúdo nas duas formas de governo distintas, revelar o caráter de classes, o sistema de Estado que se manteve inalterado. Isto é, após a chamada “redemocratização”, o sistema de Estado brasileiro se manteve com a grande burguesia e o latifúndio, serviçais do imperialismo, principalmente ianque, como classes dominantes; e o proletariado, o campesinato, a pequena-burguesia e a burguesia nacional (média burguesia) como classes dominadas. Sobre a relação entre forma essência, Marx disse: “Toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação (a aparência) e a essência das coisas coincidissem imediatamente” (K. Marx – O Capital).

Vejamos a precisão com que o Partido Comunista do Peru coloca esta questão: “Por sua vez, destaca a diferença entre o sistema de Estado e o sistema de governo, que são partes de uma unidade; sendo o primeiro o lugar que ocupam as classes dentro do Estado e o segundo a forma em que se organiza o Poder, como o ensina o Presidente Mao, destacando que o principal é definir o caráter de classe de um Estado já que as formas de governo que se introduza podem ser civil ou militar, com eleições ou não, demoliberal ou fascista, e sempre representarão a ditadura das classes reacionárias. Ao não se ver assim o velho Estado se cai no erro de identificar ditadura com regime militar e pensar que um governo civil não é ditadura, colocando-se a reboque de uma das frações da grande burguesia sob o conto de ‘defender a democracia’ ou ‘tomar cuidados com os golpes militares’, posições que no lugar de destruir o velho Estado o sustentam e o defendem.” (PCP – Linha Política Geral).

Em decorrência de uma visão incorreta sobre o Estado burguês, sobre sua essência e suas formas, decorrem inúmeras táticas oportunistas, dentre elas o reformismo e o eleitoralismo. Voltemos ao texto objeto de nossa crítica: “A luta de classe, às resistências, conquistas e perdas da classe trabalhadora perpassam todos os aparelhos de poder. Configuram e reconfiguram o Estado, o sistema político, a correlação de forças.” Desculpem-nos por citar novamente a passagem seguinte: “(...) usar a institucionalidade como forma de iniciar uma ofensiva contra o capital (...)”. Eis dois exemplos batidos da velha tática oportunista: “reconfigurar a correlação de forças no Estado” e “usar a institucionalidade para iniciar uma ofensiva contra o capital”. Insistimos, o Estado é uma máquina gestada, construída e desenvolvida segundo a natureza de uma classe e moldada à sua imagem e semelhança, que no caso das classes dominantes exploradoras, são para subjugar e oprimir as classes que explora, exercendo sua ditadura. Então, qual é a correlação de forças que existe dentro do Estado? Acaso ele está falando das diversas frações do partido único das classes dominantes que brigam pelo controle do Estado, mas se unem na sua defesa? O objetivo da luta de classe, das resistências, conquistas e perdas da classe trabalhadora devem estar em função de “perpassar” e aperfeiçoar o garrote do seu inimigo ou devem estar em função de lutar de forma antagônica contra ele para destruí-lo? Aqui está o abismo existente entre as táticas oportunistas e as táticas revolucionárias. Ou como disse Lenin, em o Estado e a Revolução:

“De um lado, os ideólogos burgueses e, sobretudo, os da pequena burguesia, obrigados, sob a pressão de fatos históricos incontestáveis, a reconhecer que o Estado não existe senão onde existem as contradições e a luta de classes, ‘corrigem’ Marx de maneira a fazê-lo dizer que o Estado é o órgão da conciliação das classes. Para Marx, o Estado não poderia surgir nem subsistir se a conciliação das classes fosse possível.”

Por fim a questão da farsa eleitoral. Pontuaremos apenas algumas questões, pois já temos um documento bastante detalhado sobre o tema: Eleição Não! Revolução Sim! Roteiro para a campanha de boicote à farsa das eleições, que pode ser encontrado na internet. Neste documento, publicado em 2010, afirmamos: “A participação ou não nas eleições burguesas não é uma questão de princípio para os comunistas. Esta deve ser tratada como um problema tático que deve ser enfocado segundo o desenvolvimento da luta de classes historicamente e na atualidade.”
 
Procurando fazer uma análise do desenvolvimento da tática dos comunistas, de acordo com as modificações históricas, dissemos:

Breve histórico das formas de luta do proletariado

"A história da luta de classes do proletariado e a atuação dos comunistas nela, passou por várias etapas. Nestas etapas se utilizou diferentes formas de luta de acordo com as circunstâncias. No caso das eleições e seu emprego na etapa de nascimento e formação do movimento comunista na Europa, permitiram efetivamente a ampla difusão das ideias de Marx e Engels. Foi tanto o crescimento da propaganda de ditas ideias no seio do movimento operário e revolucionário entre 1848 e 1895, que Marx e Engels foram advertindo, em vários momentos, alguns perigos que se apresentaram no movimento prático. Entre eles o de, ao utilizar as eleições no afã de alcançar uma maior influência entre as massas, terminar por adaptar ou rebaixar o conteúdo da organização revolucionária à legalidade.

Inclusive advertiram que as eleições só determinavam quem iria explorar e oprimir o povo por um determinado período de tempo, e de que era perigoso semear ilusões a respeito delas. A fins do século XIX o problema surge justamente que ao favorecer a amplitude da difusão do socialismo, como dizia Lenin, tendeu-se a diluir o conteúdo revolucionário do marxismo e isto abriu espaço à influência de correntes alheias as da classe. É por isso que o revolucionário russo denunciava já nesse momento os revisionistas (como Bernstein) por querer converter Marx em um “medíocre liberal”.

Com Lenin e a Revolução Russa, a participação nas eleições se conformou apenas em um apêndice para a luta. Há muito que se esquece o que ele indicara, de que em períodos de ascenso revolucionário das massas, as eleições, e as instituições derivadas delas, são mais um obstáculo à luta. Disto se depreende a tática do boicote formulada por ele, a dizer, impedir pela força a criação de ditas instituições, que por sua natureza de classe são essencialmente contrarrevolucionárias. Esquece-se também de mencionar que Lenin, já antes de 1914, validava a luta de guerrilhas e inclusive defendeu, como aplicável para a Rússia, aquilo que sentenciara Marx sobre a necessidade de que: “Na Alemanha tudo dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra camponesa”. Não se pode negar que tanto Lenin como Marx e Engels não rechaçaram por inteiro nenhuma forma de luta, sempre e quando estivesse sujeita a uma análise materialista histórica das condições em que se deviam empregar. Igualmente sabiam que as eleições tinham um limite e que sua importância era relativa no marco da luta revolucionária de classes.

Marx por exemplo, em seu célebre apelo da Internacional de 09 de setembro de 1870, punha em guarda o proletariado francês contra uma insurreição prematura, mas quando, apesar de tudo, ela se produziu (1871), saudou com entusiasmo a iniciativa revolucionária das massas que “tomam o céu de assalto” (carta de Marx a Kugelmann).

Com a primeira guerra mundial o centro da revolução se trasladava à Rússia, rompendo-se em outubro de 1917 o elo mais débil da cadeia de dominação imperialista. Este transcendental acontecimento dá inicio, por uma parte, a uma nova era na história da humanidade, a da revolução proletária mundial, assim como por outra implica em um salto significativo no desenvolvimento do movimento comunista internacional. Deste fato se depreende que as eleições perderam sua vigência como tática revolucionária. Mas insistimos no fato de que para Marx e Lenin as eleições burguesas e a participação nelas jamais tiveram nenhum caráter estratégico, e eles sempre alertaram sobre os perigos de seu emprego.
 
 A Revolução de outubro de 1917 terminou de varrer com a tática eleitoral, ao mesmo tempo em que colocou em discussão o papel estratégico da violência revolucionária para a conquista do poder e com ele, o estabelecimento da ditadura do proletariado. Na história universal este fato não é uma trivialidade e dele justamente se depreende a caducidade das eleições e do cretinismo parlamentar, questões que só fizeram se comprovar amplamente com a Guerra Popular e o triunfo da Revolução de Nova Democracia na China. Mas não somente ali, ao longo de grande parte do século XX e no transcurso do presente, em nenhum país as eleições, os parlamentos (constituintes ou não) e as distintas instituições burguesas criadas para todos esses efeitos, lograram o que as lutas armadas alcançaram na resistência ao nazi-fascismo na Europa. O mesmo com respeito às lutas armadas contra a ofensiva do imperialismo japonês na Ásia, ou também a luta anticolonial na África. A luta armada, seja na Coréia, no Vietnã ou na Argélia, foi determinante para a libertação destes povos. Na América Latina seus países só alcançaram sua emancipação do domínio colonial através da violência; tampouco se pode negar o impacto causado pela Revolução Cubana e mais ainda no presente, a Guerra Popular no Peru. Da mesma forma se verifica nos processos revolucionários da Índia, Turquia e Filipinas, bem como nas resistências armadas contra a ocupação imperialista no Iraque, Afeganistão, Irã e na heróica Palestina.

Todos estes fatos confirmam o papel estratégico da violência revolucionária e a invalidez da tática eleitoral. Grande parte destas heroicas lutas foram e estão sendo dirigidas por comunistas.”

Finalizando seu texto, o jovem militante do PCBrasileiro afirma: “Para concluir, cabe dizer o seguinte: o boicote eleitoral não é um princípio, mas um expediente tático. Deve ser usado de acordo com a conjuntura concreta.” Isto é fácil dizer, difícil é encontrar na história do PCBrasileiro algum exemplo de utilização, mesmo que tática, do boicote eleitoral. O eleitoralismo, o pacifismo e o reformismo constituem a base da estratégia desta agremiação. O PCBrasileiro foi fundado em 1960, a partir da usurpação da direção do PCB (Partido Comunista do Brasil) pela linha revisionista kruschovista de Luiz Carlos Prestes. O PCBrasileiro adota este nome para se adequar a legislação eleitoral vigente na época, que não permitia a existência de um partido que fosse a seção de uma organização internacional. Além disto, a direção revisionista do PCBrasileiro modificou os estatutos suprimindo a denominação “marxista-leninista” e retirando de seu programa a defesa da ditadura do proletariado. Tudo isto para se adequar a legislação burguesa e obter o que passou a ser sua maior bandeira imediata, a legalidade e não a tática revolucionária. O PCBrasileiro durante o regime militar não participou da resistência armada contra o regime militar pró-imperialismo ianque. Por isto, perdeu praticamente toda a sua base que de diferentes formas, com erros e acertos, enfrentaram o regime instituído. Esta resistência pacífica ao regime militar, no entanto, não assegurou a proteção de seus dirigentes e é claro que em seu direitismo sem limites sempre culpou por isto os revolucionários em armas. Pois para o imperialismo e para os fascistas, particularmente para seus “serviços de inteligência” mais refinados, que estudam a trajetória dos militantes comunistas quadro por quadro, sabem por experiência que determinados militantes só seguem uma linha reformista por adotarem uma disciplina cega, mas no momento de qualquer viragem à esquerda da linha estarão prontos para a revolução. E foi o que se passou com quadros comunistas como David Capristano, que apesar de estarem numa linha política incorreta foram presos e brutalmente torturados e assassinados pelos facínoras das forças armadas brasileiras.

Na década de 1980, Luiz Carlos Prestes rompe com o PCBrasileiro e de forma honrada faz a autocrítica de sua direção, assumindo a responsabilidade pelos desvios de direita na história do Partido. No entanto, não leva esta autocrítica à fundo, ao ponto de reconhecer os desvios ideológicos, o revisionismo, como causas dos desvios políticos, não consegue, assim, tirar as lições mais acertadas das experiências das revoluções proletárias e não alcançou fazer uma correta análise de classes de nossa sociedade. Morreu acreditando que a URSS ainda era um país socialista e defendendo a Perestroika de Gorbatchov. Por fim, uma grande parte do PCBrasileiro, chefiados pelo reacionário Roberto Freire, fundaram o PPS e aderiram abertamente ao discurso neo-liberal do PSDB. Os que seguiram no PCBrasileiro, não aprodundaram a autocrítica de Prestes, ao contrário, defendem o direitismo e o reformismo das práticas das ilusões constitucionais de 1946/47 e dos anos de 1960/70 como acertadas. A atual direção do PCBrasileiro, após a eleição de Lula em 2002, se esforçou muito para a fusão com o PCdoB, mas pela negativa deste, o projeto não foi adiante.
A estratégia eleitoral e não a tática eleitoral, esta é a política do PCBrasileiro. Foi baseada nesta estratégia que PT e PCdoB ascenderam ao aparato central do velho Estado. Estes dois “partidos operários burgueses”, utilizando a expressão de Lenin, na década de 1980 e 1990, tinham o mesmo discurso hoje repetido por PCBrasileiro, PSTU e PSOL, de que as eleições serviriam apenas como um acúmulo para um processo revolucionário. É a famosa “acumulação fria” dos construtores de socialismo no papel e calejados reformistas de fato. O parlamentarismo petista deu nisto aí que estamos vendo hoje, comparar isto com a tática bolchevique de participação no parlamento russo antes de 1917, isto sim é uma “bizarrice”. Pensemos nesta comparação feita por Lenin:

“Há parlamentarismo e parlamentarismo. Uns utilizam a arena parlamentar para agradar aos seus governos, ou, no melhor dos casos, para lavar as mãos como a fração de Tchkheídze. Os outros utilizam o parlamentarismo para se manterem revolucionários até ao fim, para cumprirem o seu dever de socialistas e de internacionalistas mesmo nas mais difíceis circunstâncias. A atividade parlamentar de uns leva-os às cadeiras governamentais, a atividade parlamentar dos outros leva-os à prisão, ao desterro, aos trabalhos forçados. Uns servem a burguesia, os outros servem o proletariado. Uns são sociais-imperialistas. Os outros são marxistas revolucionários.” (V. I. Lenin, O Socialismo e a guerra)

O parlamentarismo do PT, no máximo, levou alguns de seus deputados para o presídio da Papuda, não por serem internacionalistas, mas por cometerem os mesmos crimes de varejo, o peculato e a corrupção, das velhas oligarquias. Mas a extensa camada de dirigentes e burocratas petistas não têm a menor dúvida de que, para eles, tudo isto valeu a pena, afinal são muitos os “lugarzinhos rendosos”.

Conclusão

O presente texto é muito mais do que uma resposta. É um chamado. Sabemos que muitos militantes do PCBrasileiro, do PSTU e do PSOL, não concordam com suas direções nem com as posições criticadas acima. A estes fazemos um apelo: estudem a teoria revolucionária, o marxismo-leninismo-maoísmo, desçam diretamente nas fontes, não se detenham nas interpretações e deformações de nossa ideologia científica. Conclamamos, também às novas organizações surgidas a partir de junho a conhecer a teoria comunista e sua potência revolucionária. Convocamos as companheiras e companheiros que se identificam com o anarquismo a lerem as obras de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Presidente Mao Tsetung e Presidente Gonzalo; aí está a teoria comunista e não nos discursos e práticas dos partidos oportunistas que só fazem desmoralizar a nossa história.

Os símbolos do comunismo, a foice e o martelo, a cada dia ressurgem estampados em escudos e alçados em estandartes dos manifestantes que, com seu rumor contagiante e sua fúria inconciliável, desafiam nas ruas o velho Estado burguês-latifundiário, opressor e genocida. É na linha de frente da juventude combatente, entre os professores que se insurgem contra a pelegada das centrais sindicais, entre os intelectuais honestos, na classe operária rebelada nas grandes obras, entre os camponeses pobres na luta radical pela revolução agrária, nas massas mais profundas do proletariado enfim, como bem dizia Lenin em seu “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, é aí onde estão os verdadeiros comunistas. Afinal, como disse o Presidente Mao: “Os comunistas são os heroicos combatentes.” Será, seguramente, em meio a estas batalhas, com idas e vindas, voltas e reviravoltas que o Partido Comunista do Brasil, P.C.B., fundado em 25 de março de 1922, com o nome de Partido Comunista Seção Brasileira da Internacional Comunista, finalmente, será reconstituído. Estamos vivendo a véspera de grandes enfrentamentos, sacudidas de uma luta prolongada que levará nosso povo a libertação. “O caminho é ziguezagueante, mas as perspectivas são brilhantes.”
Saudações a todos que lutam, mesmo com entendimentos diversos, pela derrubada violenta do Estado burguês e de toda a ordem social existente!

Abaixo o revisionismo e todo o oportunismo!
Viva o marxismo-leninismo-maoismo!
Viva a reconstituição do Partido Comunista do Brasil – P.C.B.!
Morte aos fascistas!
Eleição não! Revolução sim!

Frente Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo – Núcleo Recife

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Quando a luta eleitoral serve à farsa eleitoral.


Por Gas-PA

O ano em que completei 16 anos coincidiu com a primeira eleição presidencial do país desde a década de 1960. A mística em torno desse evento foi enorme. Jovens da minha faixa etária votariam pela primeira vez, tanto quanto seus pais, pra escolher um presidente. Não vacilei em correr pro TRE e tirar o meu título para exercer o ato mais cidadão daquele momento. Depois de 20 anos de uma ditadura empresarial-militar, em fim a democracia. Meus candidatos de primeiro e segundo turno foram derrotados pelo candidato da grande burguesia. Precisei de mais três eleições para, enfim, ver ganhar o meu candidato desde o segundo turno da eleição de 1989.

Desde que o Brasil se tornou uma república a presidência passou pelas mãos dos militares, oligarquia leiteira, oligarquia cafeeira, pelos populistas, voltou pras mãos dos milicos, de coroné, de play boy lutador de arte marcial, teve sociólogo… mas, nada de trabalhador. Um operário, de um partido de trabalhadores, era o que nos faltava. Então, a partir de 2002 era nós no poder. Assim eu pensava!
Corrupção, privatização; socorro financeiro à empresas (que, socorridas, demitiam trabalhadores); envio de tropas pro Haiti pra reprimir as revoltas populares; reforma na previdência, com altíssimo ônus pros trabalhadores; precarização do trabalho; pagamento da dívida de 15 bi com o FMI; repressão sem precedentes às rádios e TVs comunitárias; eLula se vangloriando de ter sido o governo no qual a burguesia mais lucrou na história desse país. E um agravante, se compararmos com governos anteriores: capitulação dos movimentos sindical e popular. Acende um sinal de alerta na minha consciência política. Porém, a ingenuidade de um militante que se forjava nas lutas populares ainda tinha espaço pra mais uma experiência triste com um certo parlamentar. Começava a enxergar, ainda de forma muito embaçada que, pra muito além da discussão de quem exerce o mandato, o problema maior estava nos limites e armadilhas da via eleitoral pra nossa luta socialista.
A partir daí, com toda limitação do meu pouco acúmulo teórico, passei a dar minhas contribuições para o debate. Em 2010 publiquei o texto Luta negra x Institucionalidade.Ruas x Urnas. Ainda sob fortíssima influência da estratégia democrática popular, o texto procura mostrar o quanto foi nociva a democracia da classe dominante pra luta do povo preto no Brasil, além de chamar pra luta nas ruas, e para o abandono crítico à via eleitoral. Ainda no mesmo ano nós do Coletivo de Hip Hop Lutarmada divulgamos na internet nosso texto intitulado Lutarmada Hip Hop e as eleições, que amplia o leque de interlocutores pro debate.
2014, ano de eleição e, é lógico, o debate volta à tona. No dia 14 de maio, o blog da editora Boitempo publica o texto Farsa eleitoral ou luta eleitoral: a prioridade das ruas e a disputa nas urnas, de Mauro Iasi, no qual eu sou citado. Mauro, minha maior referência naeducação popular, membro do comitê central do PCB e candidato a presidente nas próximas eleições, fez a sua defesa da participação da esquerda no processo eleitoral, sem negar a prioridade das lutas das ruas. Para isso ele cita também passagens de obras de autores como Marx & Engels, Gramsci, Rosa e Che, além de polemizar com Ivo Tonet.
Lenin escreveu, em 1920, o famoso Esquerdismo. Doença infantil do comunismo. Talvez a base teórica mais acionada para a discussão desse tema. Sem dúvida uma contribuição ao debate, mas que vem servindo de escudo pra reformista, oportunista e pelego de toda espécie, que tem o título do livro na ponta da língua pra disparar contra o “oponente”, ainda que ele mesmo não tenha lido. Na obra o autor também defende a via eleitoral como um importante passo tático na luta revolucionária. Mas tem seus “poréns”.
Combinando bem as lutas das massas com as eleições, o Partido Bolchevique dirigiu a luta da classe trabalhadora ao poder na Rússia, em 1917. No ano seguinte abre-se um processo revolucionário na Alemanha, que, ao contrário da Rússia de 17, era um país já adiantado na sua industrialização. Lá a luta proletária era dirigida pelo Partido Social-democrata. Surgido em 1869 sob orientação socialista, pode-se dizer que foi em 1875 no congresso de Gotha que o Partido Social-democrata Alemão passa ao reformismo, traduzido num programa que mereceu atenção especial de Marx, como pode ser lido no seu texto Crítica ao programa de Ghota. Essa guinada ao reformismo, que tem nas figuras de Karl Kautsky e Eduardo Bernstein seus principais expoentes, leva o Partido à cisões importantes, que são origem de outras cisões. Até que em 1919 nasce o Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães. Esse partido condenava tanto a participação em parlamentos burgueses quanto em “sindicatos reformistas”. E foi inspirado nessa gente que Lenin escreve o Esquerdismo.
O II Congresso da Internacional Comunista, no mesmo 1920, aprova as teses de Lenin e Bukarin (com introdução de Trotsky) que insistiam na importância de os comunistas participarem de eleições parlamentares. Porém, o documento intitulado O Partido Comunista e o parlamentarismo, é bem explícito no que diz:
“Por outro lado, admitir por princípio a ação parlamentar revolucionária não implica de modo algum que se participe efetivamente em todos os casos nas eleições e em determinadas assembleias parlamentares. Isso depende de uma série de condições específicas”.
E quais seriam algumas dessas condições?
“Esta ação parlamentar que consiste, essencialmente, em utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas ideias as massas prisioneiras de ilusões democráticas e que, sobretudo nos países atrasados, voltam ainda os seus olhares para a tribuna parlamentar, esta ação deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extra-parlamentar das massas”.
Então, se a defesa da nossa participação nas eleições parlamentares no Esquerdismo se refere a um contexto com tempo e espaço bem definido (Alemanha, nos idos de 1920), esse ponto – de um documento que vem, de ponta a ponta, salientando a relevância tática da via eleitoral – dá pistas de que essa tática não pode ser apartada de certos critérios.
Se “esta ação parlamentar” deve servir para “utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas ideias as massas prisioneiras de ilusões democráticas”, que sentido faz adotar essa via num país que passa por um período em que as massas não voltam “os seus olhares para a tribuna”?

No Brasil, até agora, as massas são intimadas a votar de dois em dois anos, sob pena de multa e outras sanções a quem não cumpra com sua obrigação eleitoral. Revogue-se a imposição legal do voto que se explicitará com maior nitidez a repulsa que as massas têm do processo eleitoral desse quadro institucional. Vão até as massas e perguntem em quais parlamentares cada um votou nas últimas três eleições. Pergunte quais os compromissos de campanha dos parlamentares que por acaso forem lembrados e, acima de tudo, pergunte quem acompanha o dia-a-dia do mandato dos seus parlamentares eleitos, suas ações e suas falas “nas tribunas”.
As lutas de junho do ano passado são bem emblemáticas. Partidos de esquerda, unidos a movimentos populares, unificaram suas pautas na construção de atos que se agigantaram pra muito além das expectativas mais otimistas. Os atos começaram numa luta contra o aumento das passagens dos ônibus, mobilizando, quase que exclusivamente, militantes desses partidos e movimentos. Mas é justamente quando as massas aderem ao movimento, que a aversão delas aos partidos se manifesta em maior volume. Essasmassas (em nome das quais, e não com as quais lutam esses partidos) tanto não dão ouvidos e olhos ao que acontece nos parlamentos e na política institucional que não souberam distinguir os partidos que atuam contra seus interesses e vivem envolvidos em escândalos, dos que ali estavam organizando os atos públicos, nos quais elas participavam. Mesmo pautando demandas que eram unânimes – como saúde e educação e, o estopim, a redução das tarifas do transporte coletivo, acompanhada de melhoria na qualidade dos serviços prestados – militantes desses partidos eram obrigados a baixarem suas bandeiras ou se retirarem das passeatas, em alguns casos até debaixo de porrada, como mostrava alegre e exaustivamente os telejornais (no intuito de evitar tamanha desmoralização, houve uma tentativa de atribuir aos fascistas esses ataques, mas quem esteve nos atos conhece bem a verdade). Os partidos de esquerda só aparecem diante dos olhos das massas nos períodos eleitorais e junto com os de direita (já manchados, estes, pela infindável sequência de casos de corrupção). Há quem diga que no período eleitoral as massas estão mais abertas ao debate político, coisa que qualquer um que viva o cotidiano das massas, que, acima de tudo, seja parte das massas, sabe que não é verdade. O debate promovido pelo período eleitoral que chega até as massas é aquele filtrado no telejornal que tem entre uma novela e outra. E nesse filtro não passa o discurso dos nossos companheiros. O horário reservado para a propaganda dos partidos é aquele momento em que desligam-se os rádios e que as famílias dispersam da frente da TV. Se tivéssemos numa conjuntura onde as massas voltassem “seus olhares para a tribuna”, como consta nas teses dos camaradas bolcheviques, os partidos de esquerda não passariam pelo que passaram nas manifestações que eles mesmos chamaram, e nunca teríamos ouvido falar em um pequeno movimento que se formou nas eleições de 2012 em Porto Alegre, chamando voto no candidato (de direita) primeiro colocado nas pesquisas, para se evitar os transtornos impostos por um possível segundo turno.
Cabe ainda discutir se a ação dos parlamentares eleitos pelos partidos de esquerda estão de fato “totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extra-parlamentar das massas” e se eles estão se colocando “à cabeça das massas proletárias, na primeira fila, bem à vista, nas manifestações”, como orienta o mesmo documento.
O Partido Social-democrata Alemão, nascido marxista, se rendeu ao reformismo e nele foi submergindo cada vez mais com o passar do tempo. Não ouso condicionar uma coisa a outra, mas me chama atenção o fato de seu recuo político ter seguido os passos de seus sucessos eleitorais, tal qual aconteceu no caso do PT. Caminho muito parecido percorreu o Partido dos Trabalhadores. Após sentir o gosto das primeiras conquistas de espaço no Estado burguês – não só no legislativo, como sugere os dois textos, mas, também no executivo – a tática eleitoral no PT ganha peso de estratégia. A elegibilidade vai aos poucos legitimando qualquer tipo de compromisso. Desde os melhores tempos do Partido Social-democrata Alemão, passando pelo PT e chegando aos partidos de esquerda já se aliando com a centro-direita, como PCdoB, e a clássica direita, como o DEM, até mesmo recebendo financiamento de empreiteira. Essa tendência a priorizar as lutas das urnas em detrimento das lutas das ruas também se evidencia na escolha dos candidatos. Ainda me atendo ao documento da Internacional Comunista:
“Em geral, os candidatos serão escolhidos entre os operários (…)
Os comitês centrais só devem aprovar as candidaturas de homens que durante longos anos tenham dado provas indiscutíveis de sua abnegação pela classe operária”.(grifo meu)
Ao invés disso, a escolha, que é restrita aos militantes dos respectivos partidos, as vezes contempla candidatos progressistas (e não socialistas) sem o menor acúmulo de lutas, mas com certo apelo em alguns setores da sociedade por gozar de alguma popularidade (devida, em alguns casos, a uma certa inserção na mídia burguesa por se tratar de alguma personalidade do mundo do entretenimento). É a eleição com fim nela mesma. Agora repare dentre os partidos marxistas e leninistas que disputam eleição, se o mais bem sucedido nas urnas não seria o que tem uma prática mais aproximada da social-democracia e do PT, e mais distanciada do marxismo e leninismo. A impressão que fica, pelo menos pra mim, é que a adesão à via eleitoral, assim, indiscriminada e descriteriosa, traz uma forte tendência à degeneração.
Assim como para o outro personagem do texto de Mauro Iasi, o Ivo Tonet, para mim o voto nulo não é um princípio. Só não vejo porque, numa conjuntura onde não temos forças para organizar trabalhadores na luta contra o patrão, dispor de boa parte dessa pouca força pra luta eleitoral. Ainda mais sob o pretexto de usar, tanto o período eleitoral quanto as tribunas parlamentares, para agitar e fazer propaganda revolucionária, pra uma classe trabalhadora totalmente avessa às discussões políticas promovidas nesses momentos e nesses espaços. A propaganda mais eficaz que nossos companheiros conseguem fazer, disputando eleições nessa conjuntura, é a que legitima um processo viciado que contribui enormemente pra fortalecer a hegemonia burguesa.
Esse texto foi uma necessidade que senti de qualificar minha posição pelo voto nulo, que aparece despolitizada no texto de Mauro Iasi. Sei que a responsabilidade é toda minha, por ter me colocado de maneira bizarra nos últimos tempos, via Face Book, me utilizando das formas mais rebaixadas que essa via permite. Mas, como não estou aqui pra apurar responsabilidades, espero que tenha conseguido contribuir mais para essa importante discussão, que diz respeito aos caminhos táticos das estratégias adotadas por quem se propõe a conduzir nossa luta contra a classe inimiga.
PretaSaudaçõeSocialistaS
Gas-PA
20-05-2014